segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

HUMILDADE DE PRETO VELHO


Clementino nunca conhecera seu pai ou sua mãe, quando nasceu, foi logo separado deles e cuidado por um casal muito amigo que residia na mesma fazenda.  Era uma fazenda de café no interior das Minas Gerais.  Ele cresceu como todos os outros filhos de escravos, sem muito o que comer ou beber e era tratado como um animal sem alma.
            Mesmo com todos os maus tratos ele nunca se mostrava irritado ou inconformado era como se ele soubesse no fundo da alma o porque de todo aquele sofrimento.  O que o deixava triste era a forma com que as outras pessoas eram tratadas.
            Nas noites de cantoria na senzala ele sempre buscava um cantinho sossegado para apreciar o céu com suas estrelas, pensava nos pais que não chegou a conhecer e em seu dialogo íntimo perguntava a Deus se aquelas belas estrelas eram vistas por sua mãezinha onde ela estivesse.  Ele gostava também de ouvir os cantos tristes dos outros escravos que os remetiam a terra natal.
            Durante o dia em função de sua boa comunicação e bondade a sinhá da fazenda sempre o recrutava para acompanhá-la até a cidade e nestas saídas acabou por conhecer um homem de bom coração que trabalhava no mercado central, este amigo o apresentou Jesus e praticamente todos os dias enquanto a sinhazinha conversava com as outras senhoras ele se dedicava a ouvir sobre a vida do Mestre e o que mais o impressionava era a bondade de Jesus que conseguia perdoar até mesmo os que o faziam mau.
            Numa manhã enquanto caminhava em direção ao cafezal viu um amigo sendo açoitado sem piedade, aquilo lhe feriu o coração e com certo receio mas ao mesmo tempo com muita calma, procurou convencer o sinhozinho sobre as feridas já abertas nas costas daquele irmão de jornada.  O sinhozinho então começou a zombar do rapaz perguntando se ele aceitaria substituir o amigo infrator e num geste espontâneo vendo que o amigo não iria resistir muito tempo aceitou a troca.  Ele foi amarrado e para prolongar o sofrimento do corajoso clemencio o sinhozinho o deixou ali amarrado no tronco a luz incandescente do sol durante todo o dia para que todos vissem onde paravam os corajosos em sua fazenda, ao anoitecer a brisa da noite foi como um bálsamo para o jovem que lhe aliviavam as dores.  Mas mesmo no tronco com sede e fome não deixou de apreciar a beleza das estrelas e durante toda aquela noite ele buscou se lembrar da luta de Jesus com a maldade humana e diante daquele sofrimento ele se sentiu orgulhoso por poder passar por um pouco das dores que sentiu o mestre.  Se lembrou das curas, dos demônios afastados e das pregações as margens do lago de genezaré que Jesus brindava os homens com exemplos de amor.  A noite pareceu-lhe curta para tantas lembranças que lhe vinham a mente ao pensar no Cristo.
            Pela manha viu seus amigos cabisbaixos indo trabalhar e não querendo que eles se entristecessem procurou sorrir como se tivesse ainda em condições de suportar o que estava por vir.  O sinhozinho fez seu desejum tranqüilo como se nada lá fora estivesse acontecendo, a sinhá com o coração triste não tinha coragem de enfrenta o fidalgo de seu marido.
            Próximo das 10 horas da manhã chamou o seu capataz, homem robusto e com fisionomia animalizada, e deu-lhe a ordem de o chicotear até a morte.  A cada chibatada Clementino sentia como se a pele se soltasse, por alguns instantes sentiu vontade de gritar de pedir como pediu o Cristo no Getsamani, que Deus afastasse dele este cálice, mas se lembrou que Jesus mesmo sabendo do seu sofrimento resistiu até o fim.  Assim ele se envolveu em prece dizendo:


            Meu Jesuizinho me ajude a agüentar estas dores, me ajude a não ferir meu coração com a raiva e nem a desejar a ninguém estas mesmas dores.
            Cuida Jesuizinho de mainha onde ela estiver e também se puder de painho.
            Eu sou muito gradecido de me dar o gole do mesmo cálice que o Senhor bebeu.
            Te peço meu senhor que perdoe este sinhozinho ele ainda não entendeu nada de sua mensagem e perdoa também este irmão que me chicoteia ele ta só cumprindo ordem!
            Se o senhor puder me recebe no teu reino, não precisa me dar nada que eu não mereça!
            Gradecido sinhô!

            Após esta prece ele percebeu não sentir mais dores, mas percebeu também umas pessoas diferentes ali no terreiro, eram pessoas de semblante calmo e  sereno.  Entre aquelas pessoas percebeu um casal abraçado com olhos rasos d’agua e lhe direcionavam uma energia de muito amor.  Sem entender o que lhe estava ocorrendo buscou no seu silencio falar com Jesus e perguntar que pessoas eram aquelas e aquele casal por que sentia uma aperto no coração ao vê-lo.  Ouviu então uma voz serena dizendo-o: “Clementino meu filho, estas pessoas são a sua família em meu reino, o casal é seu pai e sua mãe que vieram a meu pedido te buscar para adentrar o meu reino.  Você filho soube perdoar mesmo diante da dor e assim seu espírito se revestiu ainda de humildade por isso não sentis as dores que te causam.”
            E assim numa manhã de verão retornou ao mundo espiritual na vestimenta simples de um escravo, Clementino, o mesmo Antero filosofo na Grécia antiga, o mesmo Dr. Clovis grande médico brasileiro, o mesmo que já havia conquistado alto grau de intelectualidade agora completo em suas virtudes adentra o reino que só podem entrar aqueles que se revestiram de muita humildade.
            Nos dias de Hoje nas casas onde reina a humildade, Clementino se apresenta na figura de Pretinho Velho para ajudar os que buscam a cura da alma.

4 comentários:

  1. Sempre que leio histórias que narram o sofrimento do povo escravo, sinto um grande aperto no coração. Mas agora compreendo um pouco o pq de tanto sofrimento, pq creio que DEUS em sua infinita bondade não deixaria um filho seu sofrer tanto em vão. Entre as histórias que já li, A Cabana do Pai Tomás (Herriet B. Stowe) me machucou muito, algumas cenas eu via como se estivesse vivendo,e com sacrificio li o livro ate o final, pq é uma forma de trabalhar esse lado de aceitação dos fatos sem revolta. tenho certeza que esses pretos velhos, sábios pretos tem muito a nos ensinar. Salve todos os Pretos Velhos que com dignidade cumpriram sua missão na terra e ainda vem nos ensinar!

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  2. Sabe quando faltam palavras? Essa história é simplesmente emocionante.

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